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Tony Marcus - Rosas de um Novo Ano


Em Março de 1933 o mundo assistiu a um dos episódios mais tristes da história humana. Nesta data o primeiro judeu adentrou o Campo de Concentração de Dachau, o inaugural do Holocausto. Após esse primeiro sôfrego dar o passo inicial em direção ao extermínio, milhares de almas o seguiram e ocuparam Majdanek, Auschwitz, Treblinka, Sobibór e Bełżec integrando a grande massa que deixaria um legado de mais de seis milhões de perdas.


Antes disso, em 1914 teve-se inicio uma das maiores atrocidades que recaem nas costas da humanidade, e terrivelmente afirmo não estar falando da Primeira Grande Guerra e sim do massacre da Etnia Armênia pelo império Turco-Otomano. Milhares de Armênios obrigados a cavar trincheiras e trabalhar forçadamente para serem mortos em seguida em valas comuns. Homens, mulheres, velhos, crianças e até fetos em ventres maternos dizimados apenas pela simples macula de serem diferentes... Quase não restaram armênios do no mundo, e até hoje o governo turco nega o ocorrido.


Em 1929 foi à vez da Ucrânia nos deixar uma ferida na memoria. O genocídio de Holodomor talvez seja uma das barbáries que mais cortam o coração de quem a examina. Estimativas contam cerca de quatorze milhões de mortos... E o pior de tudo é que desses, quase cinco milhões morreram em virtude da fome resultada pelo confisco de todos os seus alimentos pelo governo de Stalin. Milhares de pessoas... Milhares de crianças mortas pela intolerância e as ordens de homens alheios aos seus gritos, choros e clamores quando na calada da noite a amargura da inocência lhes perseguia a mente emoldurada por um estomago vazio.


E o que falar das “Rosas”? As duas grandes “Rosas” que o mundo jamais esquecerá enquanto houver um pingo de amor nos corações humanos. Em 06 e 09 de Agosto de 1945 o maior flagelo criado pelas mãos humanas foi despejado em cima de Hiroshima e Nagasaki respectivamente, despejado em cima de 180 mil pessoas que atônitas tiveram na ultima visão de suas vidas um clarão de 300 mil graus Celsius. As marcas das bombas atômicas marcaram muito mais que a cifra dos mortos ou a degradação da região, elas marcaram fundo os corações daqueles que acreditam que possa existir algo de bom na humanidade.


Comparadas a estas quatro grandes atrocidades os flagelos das guerras que se seguiram até parecem minúsculas. Mas até que ponto? Ainda me atormenta lembrar as vidas destruídas no Vietnã, das crianças fugindo do terror das cargas de Napalm que buscavam queimar lhes a pele. É difícil esquecer os horrores das deformações causadas nas crianças de Chernobyl, expostas à radiação simplesmente pela displicência de seus líderes na busca por uma corrida energética e armamentista. Como não lembrar o massacre em Ruanda, quando cerca de um milhão de Tutsis perderam suas vidas por conta do preconceito legado por colonizadores que esgotaram suas riquezas e deixaram apenas restos e influências em suas memorias. É difícil demais esquecer que cerca de quarenta e cinco milhões de chineses morreram por não ter o que comer durante um período ditatorial que visava o “bem maior”.


É quase impossível deixar de recordar que milhares de pessoas morreram e outros milhares perderam seus lares no Iraque vitimas da ganância de homens que desejavam um petróleo que não pertencia aos mortos no conflito. E a pergunta que foi feita por todos e que até hoje não quer calar é: Onde estavam as Armas Químicas? Onde estavam as armas que motivaram a intervenção exterior na nação iraquiana? Tais perguntas nunca foram respondidas e com o tempo foram sendo esquecidas pela maioria das pessoas que vivem alheias ao mundo que lhes cerca.


Às vezes relembrando estes relatos me pego a questionar ao acaso como pudemos deixar isto acontecer? Como os homens pobres e ricos, fracos e poderosos, vitimas e algozes deixaram tamanhas atrocidades acontecerem enquanto sentavam-se em suas casas, comiam, bebiam e dormiam o sono da indolência? A resposta é simples e cruel: Nós deixamos acontecer por estarmos alheios a tudo que esta fora de nosso centro de felicidade, e como tal não somente deixamos como deixaremos que continue a acontecer em vários países e com várias pessoas desconhecidas para nós.


Enquanto vivemos em paz, milhões estão sendo vitimados por conflitos na Síria, Irã e no Oriente Médio. Enquanto amamos nossa pátria permissiva existem outros incontáveis que estão em condição de refugiados fugindo de sua terra. Enquanto comemos e bebemos cerca de um bilhão de pessoas passam fome pelo mundo e dessa cifra quase metade esta localizada na África e no Oriente Médio. Enquanto estudamos e trabalhamos, milhares de jovens estão morrendo vitimas do tráfico, das drogas, da criminalidade e principalmente da intolerância. Enquanto casamos e temos filhos outra infinidade de pessoas está sendo sequestrada e traficada para perder sua liberdade servindo como escravos sexuais e de infindáveis outras formas. Enquanto dormimos em nossas camas existem infindáveis esquecidos que estão jogados nas sarjetas, embaixo de viadutos e espalhados em calçadas. Em quanto ficará a cifra destas atrocidades? Um bilhão, dois bilhões, dez bilhões? Quem vai saber.


Comparados as grandes catástrofes da humanidade os nossos tempos estão matando e dizimando pessoas em larga escala. Destruindo lares. Exilando vidas. Extinguindo esperanças. E esquecemos que mesmo sem estarmos em guerra aberta o saldo de mortos e destruídos aumenta a cada dia. E com o que nos preocupamos? Com o nosso almoço, com a próxima postagem, com o próximo final de semana ou até com o nosso smartphone. A reflexão ficou legada ao acaso em nossas mentes e pouco a pouco cada um de nós fica cada vez mais acostumado com o mundo que vive.


Já não nos sobressalta mais saber que vários jovens morreram em confrontos do outro lado do mundo. Ninguém liga para as mulheres violentadas, para os famintos, ou os refugiados que recebem um não e tem de vagar com a família sem saber se terá o que comer amanhã. Ninguém fala sobre estas coisas. Ninguém faz campanha para elas. Ninguém divulga no stories do Instagram, no perfil do Facebook ou no status de Whatsapp. Nem mesmo se pede em oração por estas causas. O ser humano esqueceu-se da dor alheia e passou a ser alimentado pelo próprio ego consumista.


Pra que fazer campanha para isso quando podemos fazer campanhas para políticos que não estão nem ai para ninguém. Por que devemos postar reflexões na internet quando é muito mais fácil divulgar a nova moda do momento? De que interessa se existem milhares passando fome, quando a nossa própria refeição já esta garantida. Pra que se lembrar dos refugiados e dos mendigos quando temos uma cama quente à disposição para dormirmos em segurança sob um teto.


No fundo do meu âmago sinto que estamos “desaparecendo”. Perdendo a nossa humanidade. Estamos parando aos poucos e estacionando no conformismo desta era, a qual deixou de ser meramente industrial e tecnológica para ser um instrumento de criação de seres que, separados, fingem estar próximos uns dos outros. Sinto que o tempo que o Sábio Mestre falou a se referir sobre o esfriamento do amor enfim bateram às portas dos homens e estes nossos dois últimos séculos não me deixam mentir. Sinto que deixamos de vez de “ser” e passamos efetivamente a “ter”.


É notório, e eu não duvido disso, que a maioria da humanidade esqueceu que estamos aqui de passagem, que este mundo é apenas um momento de transição que vem antes do fechar e abrir de olhos finais. Quanto a mim não reconheço este mundo, pois não sou deste mundo. Prefiro imaginar e acreditar que há algo de melhor nos esperando após rompermos a barreira da carne e rompermos este involucro que nos deixa nesta situação limitada e fragilizada pelo mal. Prefiro amar a vida passageira daqui lembrando que não sou daqui e estou distante de minha pátria e por ela aguardo ansiosamente quando em praias brancas e oceanos de vidro por fim caminharei no grande dia final que aguarda a todos nós.


​No entanto, enquanto este dia não chega, vivo neste mundo e compartilho a dor daqueles que comigo dividem esta frágil realidade. O fato é que entra ano e sai ano e esquecemos esta simples realidade. Ao final de cada ciclo um novo começa, ao fim de cada ano outro se apresenta, e o que virá com o novo? Quantas novas “Rosas de Hiroshima” precisaremos ver para aprendermos esta lição? Quantas novas Rosas serão necessárias para despertarmos e entendermos a dor do outro. E para ti, caro leitor, deixo apenas uma pergunta: Quais novas “Rosas” esse novo ano trará?


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Malhador

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